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Jovem Cientista | Melhor aluna da turma e com projeto premiado, ela trabalha desde os 14 e superou barreiras para se tornar biomédica

Estudante de iniciação científica no Instituto Butantan, Sthefany Pereira investiga os benefícios da vacina BCG no sistema imune


Publicado em: 27/08/2025

Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Marília Ruberti

 

Foi em uma tarde no final de junho de 2025 que a aluna de iniciação científica do Instituto Butantan Sthefany Alves Pereira, 23, realizou um dos seus maiores sonhos: formar-se na faculdade. O que ela não imaginava é que a alegria de receber o diploma de Biomedicina do Centro Universitário São Camilo seria apenas a primeira de um mês repleto de vitórias: ainda durante a cerimônia de graduação, a jovem foi nomeada como melhor aluna da turma, o que lhe renderia uma bolsa de pós-graduação. E, para finalizar, recebeu o prêmio de melhor projeto de iniciação científica do Butantan, na categoria Microbiologia e Imunologia.

Para Sthefany, que cresceu na periferia de São Paulo e precisou conciliar trabalho e estudo desde a adolescência, o valor dessas conquistas é imensurável. Nascida em Itapevi, a jovem estudou em escola pública, fez Ensino Médio com Técnico em Análises Clínicas e entrou na faculdade pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni). De manhã, ela levava três horas para chegar na universidade; à tarde, ia para o trabalho; depois, passava mais duas horas no transporte público e chegava em casa por volta das 22h. Foram três anos nesse ritmo, até conseguir se mudar para São Paulo em agosto de 2024.

“Cheguei a ouvir ‘por que você se atrasa tanto?’, como se eu não quisesse estar ali, sendo que eu me esforcei a vida toda para aquilo. Cada um sabe da sua realidade”

Inspirada pelos pais, que conquistaram o diploma de graduação após os 40 anos, Sthefany sempre se dedicou muito aos estudos. O pai, Roberto Carlos, natural do interior paulista, era auxiliar de serviços gerais, e a mãe, Ana, nascida no interior do Piauí, trabalhava como empregada doméstica. “Eles me diziam: você precisa estudar para chegar em algum lugar. E eu queria ser boa – não melhor do que os outros, mas boa para mim, para ter qualidade de vida”, conta a jovem.
 

Menina jovem cientista, aluna do Butantan


Aos 14 anos, Sthefany começou seu primeiro emprego como atendente em uma clínica médica para ajudar a família. Após concluir o Ensino Médio Técnico, em 2021, passou um ano atuando na linha de frente da pandemia de Covid-19, trabalhando com análises clínicas no laboratório do Pronto Socorro Central de Itapevi – um período extremamente desafiador, mas repleto de aprendizados.

Em agosto do mesmo ano, ingressou no curso de Biomedicina no São Camilo, onde foi presidente da Liga Acadêmica de Doenças Infecciosas e Imunologia, diretora de Ensino e Pesquisa da Liga Acadêmica de Pesquisa Científica, além de ter participado de diferentes eventos científicos – tudo o que julgava importante para construir um currículo sólido.

Foi quando estava no segundo ano da graduação que Sthefany recebeu uma proposta de uma de suas professoras, Dyana Alves Henriques, para atuar como técnica de microbiologia em uma clínica veterinária. O emprego, que ela manteve durante todo o curso, foi determinante para que continuasse seguindo seu sonho.

“Esse trabalho mudou a minha vida e me possibilitou mudar para São Paulo. Hoje, consigo ter mais tempo para mim e uma qualidade de vida melhor”
 

Jovem cientista Sthefany Alves ao lado de sua professora Dyana

Sthefany ao lado da professora Dyana Alves Henriques em simpósio da universidade


Descobrindo o Butantan – e os segredos da vacina BCG

No sétimo semestre da faculdade, Sthefany conquistou uma vaga de estágio no Instituto Butantan, onde sonhava trabalhar. A experiência, que inicialmente duraria quatro meses, acabou se transformando em uma imersão de um ano. Por incentivo da orientadora Dunia Rodriguez, pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas, a jovem se inscreveu no Programa de Iniciação Científica para estudar os efeitos da vacina da tuberculose (BCG) no sistema imune – um tema para lá de interessante para a menina que cresceu assistindo curiosidades científicas na TV Cultura.

Diversos estudos já demonstraram que, muito além de proteger contra a tuberculose, o Bacilo de Calmette-Guérin (BCG), utilizado no imunizante, é capaz de melhorar a resposta imune como um todo. Com base nisso, o projeto da jovem cientista buscou investigar se as novas vacinas BCG recombinantes desenvolvidas no laboratório teriam a mesma ação. Esses imunizantes são versões modificadas do tradicional, que visam potencializar sua ação a partir da expressão de adjuvantes.

“O BCG provoca modificações metabólicas e epigenéticas nas células do sistema imune inato, que fazem com que elas expressem mais receptores e produzam mais citocinas pró-inflamatórias. Assim, elas se tornam mais aptas a reconhecer e combater diferentes invasores. Esse fenômeno é chamado de imunidade treinada”, explica Sthefany.

A biomédica analisou a atividade da BCG recombinante a partir de testes com a bactéria Streptococcus pneumoniae, ou pneumococo, que causa pneumonia. O objetivo era avaliar se a vacina poderia melhorar a resposta das células contra o sorotipo mais agressivo da bactéria. Os resultados foram positivos: os modelos animais vacinados e posteriormente desafiados com pneumococo tiveram uma maior sobrevida, além de um quadro clínico mais leve em comparação àqueles que não foram imunizados.
 

Jovem cientista Sthefany Alves usando jaleco e trabalhando em laboratório


O projeto de Sthefany foi premiado como o melhor da categoria de Microbiologia e Imunologia durante o 7º Encontro dos Estudantes de Iniciação Científica e Inovação do Butantan, em junho de 2025. 

“Sempre foi meu sonho me desenvolver dentro de uma instituição que é tão importante para o país. Saber que meu trabalho foi reconhecido por pesquisadores renomados é algo sem precedentes”

Paralelamente à pesquisa desenvolvida no Butantan, Sthefany foi responsável por outro projeto no Centro Universitário São Camilo, que se tornou seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), intitulado “Caracterização genômica de profagos provenientes de enterobactérias resistentes”. Os profagos são tipos de bacteriófagos (vírus que infectam bactérias) capazes de se integrar ao genoma das bactérias e modificar seus genes, desempenhando um papel importante no desenvolvimento de bactérias multirresistentes.

O trabalho é conduzido em parceria com a Universidade de Oxford, onde seu orientador Willames Martins atua como pós-doutorando. Em outubro, a cientista terá a oportunidade de apresentar os resultados no 33º Congresso Brasileiro de Microbiologia, em Aracaju (SE).

 

É preciso continuar

Desde pequena, Sthefany sempre teve uma visão clara de que precisava se dedicar aos seus objetivos e trabalhar por eles. O senso de responsabilidade começou cedo, aos 10, quando a irmã mais nova nasceu – uma de suas maiores alegrias. Como os pais não tinham condições de deixar de trabalhar para se dedicar à pequena, era ela quem cuidava da irmã a maior parte do tempo. 

Mais tarde, a rotina intensa de trabalho e estudo durante a semana não a impedia de mergulhar nos livros também aos sábados e domingos. Ainda que mal tivesse tempo de estar com a família, ela sempre contou com o apoio dos pais, que vibravam a cada vitória. Na pandemia, em meio ao luto pelo falecimento do avô e os desafios vivenciados no trabalho dentro do pronto-socorro, ela estudou para o vestibular sozinha, determinada a se tornar biomédica e poder ajudar as pessoas.

“A realidade para quem vem de periferia é assim: a gente entende muito cedo que precisa correr atrás. Isso é uma coisa que ficou muito interiorizada em mim”
 

Jovem cientista Sthefany Alves usando jaleco em laboratório


Anos de esforço e muitas horas de deslocamento depois, a entrega do diploma, o reconhecimento como melhor aluna da turma e a premiação no Butantan lhe deram a certeza de que a caminhada valeu a pena – e que ainda há muito mais por vir. Apesar das dificuldades no percurso, é preciso se apegar aos bons momentos e valorizar o que foi alcançado até aqui.

Prestes a concluir a Iniciação Científica e com uma bolsa de pós-graduação garantida pelo ótimo desempenho na faculdade, Sthefany pretende fazer MBA em Gestão da Saúde no Centro Universitário São Camilo. Também deseja continuar contribuindo com as pesquisas do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan e se candidatar para o mestrado acadêmico do Instituto no final do ano.

“Essas conquistas tiraram uma venda dos meus olhos, me mostraram que eu sou capaz de coisas incríveis e que devo continuar lutando. Acho que o futuro será muito bonito”